domingo, 19 de julho de 2009

Unicef critica decisão do STJ sobre exploração sexual de adolescentes

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) criticou a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de manter a sentença que absolveu José Luiz Barbosa, o Zequinha Barbosa (campeão mundial em 1987 na corrida de 800 metros rasos) e seu ex-assessor Luiz Otávio Flores da Anunciação, acusados de exploração sexual de três adolescentes de 14 anos.O Unicef considerou absurda a justificativa do STJ para manter a decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. "Por incrível que possa parecer, o argumento usado é o de que os acusados não cometeram um crime uma vez que as crianças já haviam sido exploradas sexualmente anteriormente por outras pessoas", manifestou em nota a organização.De acordo com o Unicef, a decisão surpreende pelo fato de o Brasil ser signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em 1990, que convoca os Estados a tomarem todas as medidas necessárias para assegurar que as crianças estejam protegidas da exploração sexual.Além disso, a decisão causa a indignação em razão da insensibilidade do Judiciário para com as circunstâncias de vulnerabilidade às quais as crianças estão submetidas. "O fato gera ainda um precedente perigoso: o de que a exploração sexual é aceitável quando remunerada, como se nossas crianças estivessem venda no mercado perverso de poder dos adultos".Na nota, o Unicef reitera que nenhuma criança ou adolescente é responsável por qualquer tipo de exploração sofrida, inclusive a exploração sexual e que esse tipo de violência representa grave violação de direitos dignidade e integridade física e mental de meninos e meninas.

Fonte: http://www.correiobraziliense.com.br

domingo, 12 de julho de 2009

Matéria sobre os 19 anos do ECA

Primeiro Caderno Dia-a-diaEdição de domingo, 12 de julho de 2009 http://www.jornalonorte.com.br/2009/07/12/diaadia3_1.php

Salvos pelo Estatuto
Comemoração de aniversário é momento para reflexão sobre desafios na áreaJailma Simone // jailmasimone.pb@diariosassociados.com.br

Amanhã, o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) completa 19 anos. A data é um momento de comemoração, mas sobretudo, de reflexão sobre as conquistas e os desafios que ainda existem na área. A proposta do ECA é garantir o respeito aos direitos humanos das crianças e adolescentes que anteriormente eram vistos como adultos "menores" de idade e potenciais criminosos. Ao longo dos anos - a partir de um grande trabalho social realizado por organizações não-governamentais, poder público - essa concepção vem mudando.
Muitas histórias de adolescentes misturam abandono, infrações, medo e desamparo por parte dos familiares

Atualmente, há diversas histórias de vida resgatadas graças ao amparo da lei. Muitas histórias se confundem entre abandono, infrações, medos, desamparo. Nesses 19 anos, muitas situações desse tipo foram revertidas. É o caso de José Vidal dos Santos. Nos primeiros 4 anos de sua existência ele vivenciou a morte de seu pai vítima de tuberculose, meses depois teve a mãe atropelada por um trator enquanto trabalhava na agricultura, espancado pelos irmãos mais velhos e resolveu fugir da cidade onde nasceu, pegando carona até chegar à capital quando foi encontrado por uma senhora que lhe entregou à justiça e, por fim, encaminhado à Casa Shalon - entidade que cuida de crianças em situação de risco, em João Pessoa. "Recebi todo o amparo a partir do momento que fui encontrado e entregue à justiça. Talvez hoje estivesse sem rumo, nas drogas, sem escolhas", contou. Aos 23 anos, Vidal está casado e é responsável pelo setor de funilaria de uma concessionária de carros. Graças à educação, incentivos à cultura, garantias de saúde e outras garantias prevista no ECA, Vidal teve sua vida salva.Outro caso revertido por ações sociais e não por repressão é a de Márcio Henrique. Ele se prepara para deixar a Casa Shalom, onde mora há 12 anos. Abandonado por seus pais no conselho tutelar aos 6 anos de idade foi imediatamente acolhido pela instituição. Todas as informações deixadas no conselho eram falsas e, até hoje, não se sabe do paradeiro dos seus pais. A atenção recebidae o amparo garantido por lei lhe concedeu vitórias, assim como o amigo Elias. A ajuda tornou Márcio um profissional qualificado na área de manutenção de microcomputadores e hoje aos 18 anos de idade, é assistente de técnico em uma loja de informática. Elias dos Santos, considerado aluno estrela no Colégio Municipal Maria Elizabeth, em Cabedelo, onde concluirá o ensino médio ainda este ano. Quem o conhece de perto não imagina por quantos obstáculos esse menino enfrentou.

Hoje aos 18 anos relembra com orgulho do seu passado. Seus pais foram presos acusados de traficar drogas. Desamparado, aos 7 anos de idade, foi encaminhado pela vara da infância e juventude à Casa Shalom. Por muitos anos não teve notícia dos seus genitores, até quando Samara Batista, diretora da instituição, conseguiu encontrar a mãe viúva e sem nenhuma condição financeira e psicológica de receber o filho.

Novas perspectivas geradas
Elias, Márcio e Vital são uma pequena parcela de muitas vitórias alcançadas, que ao longo desses anos foi possível criar uma rede social de defensores da criança e do adolescente que até então nunca havia existido no país, como os Conselhos Tutelares, dezenas de Defensorias Públicas e Juizados da Infância, Coordenadorias de Infância e da Juventude e outras dezenas de Varas e gestores de fundações. Outro motivo para comemorar é a redução do trabalho infantil que deixou de ser visto como uma virtude e passou a ser considerado uma violação de direitos.

A questão dos adolescentes em conflito com a lei continua sendo um grande desafio. De acordo com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescentes (Conanda), das 300 unidades de correção que temos no país, apenas 40% estão adequadas arquitetonicamente com os parâmetros ideais de medidas sócioeducativas. Está previsto, por exemplo, que o município é responsável por medidas socioeducativas em meio aberto, como advertência, reparo ao dano, prestação de serviço à comunidade e liberdade assistida. Essas medidas, que deveriam estar sendo amplamente executadas, hoje acontecem em apenas 680 municípios do país. Através de pesquisas realizadas pelo Ministério de Justiça, foi detectado que poucos municípios estão cumprindo as metas de criar varas especializadas em Infância e Juventude. "A fala calada de crianças e adolescentes ainda exige do Estado Brasileiro respeito e cumprimento de seus direitos fundamentais", disse Soraya Escorel, promotora de Justiça da Infância e Juventude.

Resistências contra o ECA
Aplicação do estatuto encontra barreiras em diversos setores da sociedadeJailma Simone //

Promotores, conselheiros tutelares, organizações não-governamentais e ainda o estado, encontram resistência entre pais, professores a até policiais para entender e aplicar as medidas sócioeducativas previstas no ECA. "Existe um entendimento equivocado por essas pessoas de que, se as crianças e os adolescentes adquirirem direitos, eles ficarão fora de controle, ingovernáveis. O ideal sugerido pelo ECA é uma relação democrática, onde crianças e adolescentes sejam tratados como indivíduos merecedores de direitos e autonomias, porém é necessário que eduque esses jovens para os seus deveres afim de que seja conquistados os seus direitos", afirmou Rildo Lima, diretor administrativo do Centro de Educação do Adolescente (CEA).

A prova de que isso funciona é a nova consciência dos adolescentes em conflito com a lei que estão no CEA. Desde 2004, quando houve a última rebelião na unidade, diversas medidas foram adotadas, como atividades culturais e artística, paraocupar todo o tempo ocioso dos internos resultando em bons comportamentos. "Essa geração cresceu a partir do ECA e que se transformou em cidadãos conscientes de seus direitos e responsabilidades sociais. A criança criada de modo mais gentil, com cooperação, é muito mais respeitosa, mais ativa na comunidade, e mais ciente de seus deveres e responsabilidades sociais", acrescentou Rildo.Um adolescente morador de Lucena, aos 13 anos de idade assassinou um colega durante uma bricadeira no campo de futebol. Hoje, aos 15 anos, se recupera no CEA. Para os pais que vem visitá-lo uma vez por mês é uma tortura sem fim ter de enfrentar a realidade de ver o filho sob o regime carcerário, mas o garoto é consciente do grave erro que cometeu e a aplicação de medidas sócioeducativas o ajudou a planejar objetivos de vida. "Sei que preciso passar por isso para compensar o meu erro. Me arrependo muito do que fiz. Quando eu sair daqui a primeira coisa que vou fazer é ir para uma igreja confessar meus pecados a depois buscar um trabalho onde eu possa fazer o que aprendi aqui. Quero trabalhar com artesanato", contou o adolescente em conflito com a lei. Nas oficinas de arte ele se descubriu um artista. Desenha, pinta e confecciona produtos artesanais a partir de materiais reciclados. Com o dinheiro da venda, ajuda a mãe e contribui para a manuntenção da oficina do CEA.Disk Denúncia A secretaria do Estado do Desenvolvimento Humano lança, amanhã, no auditório da Fecomércio, Centro de João Pessoa, o serviço do Disque Denúncia com o número 123 contra o Trabalho Infantil na Paraíbam, com presenças confirmadas do Ministério Público do Trabalho, Delegacia Regional do Trabalho (DRT), entidades da sociedade civil e crianças cadastradas no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).

sábado, 4 de julho de 2009

A Federalização do caso Manoel Mattos

O advogado Manoel Mattos denunciava a atuação de grupos de extermínio na fronteira de Pernambuco e Paraíba havia mais de dez anos. Estes grupos de extermínio atuam na região de Pedras de Fogo e Itambé, cidades limítrofes que são marco de divisa entre os Estados da Paraíba e de Pernambuco. Têm como foco o extermínio de meninos de rua, supostos marginais, homossexuais e trabalhadores rurais. Há indícios de que esses grupos sejam patrocinados por comerciantes da cidade. Estes criminosos se definem como defensores da sociedade e responsáveis por uma espécie de “limpeza” social, e utilizam a proximidade entre os Estados, como fator de impunidade, visto que quando crimes são cometidos na Paraíba, os corpos s& atilde;o jogados no Estado de Pernambuco; quando os crimes são cometidos em Pernambuco os corpos são “desovados” na Paraíba. As investigações realizadas pela Promotoria de Justiça de Itambé desde 1999 e as informações obtidas pela CPI da Câmara Federal sobre Grupos de Extermínio apontam que há conivência e inclusive participação de algumas autoridades policiais e judiciárias locais na execução de tais crimes.

O advogado e defensor de direitos humanos Manoel Mattos denunciou amplamente os crimes destes grupos para autoridades estaduais e federais. Passou a ser perseguido e ameaçado de morte. Em 2002, após a Justiça Global e a Dignitatis Assessoria Técnica Popular entrarem com um pedido de medidas cautelares, a OEA determinou ao Estado brasileiro que fosse garantida a proteção da vida e da integridade física do advogado e de outras quatro pessoas. Não foi suficiente: a falta de apuração das autoridades locais e o descaso com as determinações da OEA deixaram o terreno livre para o assassinato de Manoel Mattos, em 24 de janeiro de 2009.

Em 28 de janeiro de 2009, quatro dias após o homicídio de Manoel Mattos, a Justiça Global e a Dignitatis solicitaram ao Ministro da Justiça a aplicação da Lei 10.446/2002, no sentido de determinar que a Polícia Federal realize as investigações do caso. No dia 10 de fevereiro, menos de um mês após o crime, Justiça Global e Dignitatis encaminharam ao Procurador Geral da República, Antonio Fernando Souza, um dossiê sobre a atuação dos grupos de extermínio na fronteira entre os dois estados, juntamente com um requerimento de instauração de Incidente de Deslocamento de Competência (IDC), recurso que transfere para a esfera federal a competência para julgar o caso. As organizaçõe s afirmaram que a federalização não poderia se restringir apenas à investigação do homicídio de Manoel Mattos: todas as denúncias envolvendo grupos de extermínio na região deveriam passar a ser investigados pela Polícia Federal; além disso, todos os procedimentos judiciais deveriam passar à responsabilidade do Ministério Público Federal e da Justiça Federal, saindo do controle de autoridades locais.

O IDC se justifica nesse caso por diversas razões. Há um lapso temporal de pelo menos dez anos, desde as primeiras denúncias da atuação do grupo de extermínio, sem que houvesse a devida apuração dos fatos e o conseqüente desmantelamento do grupo criminoso. Uma vez que há o envolvimento de policiais nestes grupos, os agentes de Pernambuco e Paraíba não têm independência para investigar os crimes praticados pelo grupo de extermínio Vale lembrar que o principal suspeito da morte de Manoel Mattos e integrante da Polícia Militar do estado da Paraíba. Por outro lado, algumas autoridades competentes - entre eles policiais, delegados de polícia e membros do Ministério Público - que corajosamente investigaram a atuaç&atil de;o destes grupos, sofreram represálias (foram transferidos para outras comarcas contra suas vontades, sofreram processos de sindicância) encontrando-se, portanto em situação de vulnerabilidade para o exercício da atividade policial e jurisdicional.

Reforça a necessidade de deslocamento de competência o fato do caso estar tramitando em instância internacional. O Brasil descumpriu as medidas cautelares da OEA no que se refere à proteção (duas das cinco vítimas de ameaças albergadas pelas medidas cautelares foram assassinadas) e ainda está pendente de cumprimento da recomendação da CIDH referente à responsabilização dos agentes criminosos e da ação dos grupos de extermínio da Paraíba e Pernambuco. Além disso, tanto o (então) governador da Paraíba, como integrantes do Governo de Pernambuco e o Conselho Estadual de Direitos Humanos de Pernambuco, manifestaram-se publicamente no sentido de reconhecer – dadas às circunstâncias dos fatos - a impossibilid ade dos Estados federados conduzirem a investigação, o processamento e o julgamento de tais crimes.
Na última quarta-feira, dia 24 de junho de 2009, a Procuradoria Geral da República requereu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a instauração do IDC para transferir para a Justiça Federal a investigação, o processamento, julgamento não só do homicídio de Manoel Mattos como também do grupo de extermínio atuante na divisa da Paraíba e Pernambuco, nos moldes do que havia solicitado pela Justiça Global e pela Dignitatis. O Incidente de Deslocamento de Competência (conhecido como “federalização dos crimes de direitos humanos”) está previsto constitucionalmente desde a Emenda Constitucional nº 45/2004. Desde então, o ordenamento constitucional brasileiro, no seu artigo 109, V, passou a garantir a competência de juízes federais para processar e julgar graves violações de direitos humanos.
O novo instituto representa uma histórica demanda daqueles que lutam pela plena efetivação da democracia e dos direitos humanos, em virtude da constatação do alto número de graves violações de direitos humanos que permaneceram impunes, devido à falta de imparcialidade, à inércia, ou à negligência das autoridades locais em apurar e julgar tais abusos. Contudo, o Incidente de Deslocamento de Competência até agora nunca chegou a ser aplicado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

JUSTIÇA GLOBAL

DIGNITATIS - ASSESSORIA TÉCNICA POPULAR