domingo, 12 de julho de 2009

Matéria sobre os 19 anos do ECA

Primeiro Caderno Dia-a-diaEdição de domingo, 12 de julho de 2009 http://www.jornalonorte.com.br/2009/07/12/diaadia3_1.php

Salvos pelo Estatuto
Comemoração de aniversário é momento para reflexão sobre desafios na áreaJailma Simone // jailmasimone.pb@diariosassociados.com.br

Amanhã, o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) completa 19 anos. A data é um momento de comemoração, mas sobretudo, de reflexão sobre as conquistas e os desafios que ainda existem na área. A proposta do ECA é garantir o respeito aos direitos humanos das crianças e adolescentes que anteriormente eram vistos como adultos "menores" de idade e potenciais criminosos. Ao longo dos anos - a partir de um grande trabalho social realizado por organizações não-governamentais, poder público - essa concepção vem mudando.
Muitas histórias de adolescentes misturam abandono, infrações, medo e desamparo por parte dos familiares

Atualmente, há diversas histórias de vida resgatadas graças ao amparo da lei. Muitas histórias se confundem entre abandono, infrações, medos, desamparo. Nesses 19 anos, muitas situações desse tipo foram revertidas. É o caso de José Vidal dos Santos. Nos primeiros 4 anos de sua existência ele vivenciou a morte de seu pai vítima de tuberculose, meses depois teve a mãe atropelada por um trator enquanto trabalhava na agricultura, espancado pelos irmãos mais velhos e resolveu fugir da cidade onde nasceu, pegando carona até chegar à capital quando foi encontrado por uma senhora que lhe entregou à justiça e, por fim, encaminhado à Casa Shalon - entidade que cuida de crianças em situação de risco, em João Pessoa. "Recebi todo o amparo a partir do momento que fui encontrado e entregue à justiça. Talvez hoje estivesse sem rumo, nas drogas, sem escolhas", contou. Aos 23 anos, Vidal está casado e é responsável pelo setor de funilaria de uma concessionária de carros. Graças à educação, incentivos à cultura, garantias de saúde e outras garantias prevista no ECA, Vidal teve sua vida salva.Outro caso revertido por ações sociais e não por repressão é a de Márcio Henrique. Ele se prepara para deixar a Casa Shalom, onde mora há 12 anos. Abandonado por seus pais no conselho tutelar aos 6 anos de idade foi imediatamente acolhido pela instituição. Todas as informações deixadas no conselho eram falsas e, até hoje, não se sabe do paradeiro dos seus pais. A atenção recebidae o amparo garantido por lei lhe concedeu vitórias, assim como o amigo Elias. A ajuda tornou Márcio um profissional qualificado na área de manutenção de microcomputadores e hoje aos 18 anos de idade, é assistente de técnico em uma loja de informática. Elias dos Santos, considerado aluno estrela no Colégio Municipal Maria Elizabeth, em Cabedelo, onde concluirá o ensino médio ainda este ano. Quem o conhece de perto não imagina por quantos obstáculos esse menino enfrentou.

Hoje aos 18 anos relembra com orgulho do seu passado. Seus pais foram presos acusados de traficar drogas. Desamparado, aos 7 anos de idade, foi encaminhado pela vara da infância e juventude à Casa Shalom. Por muitos anos não teve notícia dos seus genitores, até quando Samara Batista, diretora da instituição, conseguiu encontrar a mãe viúva e sem nenhuma condição financeira e psicológica de receber o filho.

Novas perspectivas geradas
Elias, Márcio e Vital são uma pequena parcela de muitas vitórias alcançadas, que ao longo desses anos foi possível criar uma rede social de defensores da criança e do adolescente que até então nunca havia existido no país, como os Conselhos Tutelares, dezenas de Defensorias Públicas e Juizados da Infância, Coordenadorias de Infância e da Juventude e outras dezenas de Varas e gestores de fundações. Outro motivo para comemorar é a redução do trabalho infantil que deixou de ser visto como uma virtude e passou a ser considerado uma violação de direitos.

A questão dos adolescentes em conflito com a lei continua sendo um grande desafio. De acordo com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescentes (Conanda), das 300 unidades de correção que temos no país, apenas 40% estão adequadas arquitetonicamente com os parâmetros ideais de medidas sócioeducativas. Está previsto, por exemplo, que o município é responsável por medidas socioeducativas em meio aberto, como advertência, reparo ao dano, prestação de serviço à comunidade e liberdade assistida. Essas medidas, que deveriam estar sendo amplamente executadas, hoje acontecem em apenas 680 municípios do país. Através de pesquisas realizadas pelo Ministério de Justiça, foi detectado que poucos municípios estão cumprindo as metas de criar varas especializadas em Infância e Juventude. "A fala calada de crianças e adolescentes ainda exige do Estado Brasileiro respeito e cumprimento de seus direitos fundamentais", disse Soraya Escorel, promotora de Justiça da Infância e Juventude.

Resistências contra o ECA
Aplicação do estatuto encontra barreiras em diversos setores da sociedadeJailma Simone //

Promotores, conselheiros tutelares, organizações não-governamentais e ainda o estado, encontram resistência entre pais, professores a até policiais para entender e aplicar as medidas sócioeducativas previstas no ECA. "Existe um entendimento equivocado por essas pessoas de que, se as crianças e os adolescentes adquirirem direitos, eles ficarão fora de controle, ingovernáveis. O ideal sugerido pelo ECA é uma relação democrática, onde crianças e adolescentes sejam tratados como indivíduos merecedores de direitos e autonomias, porém é necessário que eduque esses jovens para os seus deveres afim de que seja conquistados os seus direitos", afirmou Rildo Lima, diretor administrativo do Centro de Educação do Adolescente (CEA).

A prova de que isso funciona é a nova consciência dos adolescentes em conflito com a lei que estão no CEA. Desde 2004, quando houve a última rebelião na unidade, diversas medidas foram adotadas, como atividades culturais e artística, paraocupar todo o tempo ocioso dos internos resultando em bons comportamentos. "Essa geração cresceu a partir do ECA e que se transformou em cidadãos conscientes de seus direitos e responsabilidades sociais. A criança criada de modo mais gentil, com cooperação, é muito mais respeitosa, mais ativa na comunidade, e mais ciente de seus deveres e responsabilidades sociais", acrescentou Rildo.Um adolescente morador de Lucena, aos 13 anos de idade assassinou um colega durante uma bricadeira no campo de futebol. Hoje, aos 15 anos, se recupera no CEA. Para os pais que vem visitá-lo uma vez por mês é uma tortura sem fim ter de enfrentar a realidade de ver o filho sob o regime carcerário, mas o garoto é consciente do grave erro que cometeu e a aplicação de medidas sócioeducativas o ajudou a planejar objetivos de vida. "Sei que preciso passar por isso para compensar o meu erro. Me arrependo muito do que fiz. Quando eu sair daqui a primeira coisa que vou fazer é ir para uma igreja confessar meus pecados a depois buscar um trabalho onde eu possa fazer o que aprendi aqui. Quero trabalhar com artesanato", contou o adolescente em conflito com a lei. Nas oficinas de arte ele se descubriu um artista. Desenha, pinta e confecciona produtos artesanais a partir de materiais reciclados. Com o dinheiro da venda, ajuda a mãe e contribui para a manuntenção da oficina do CEA.Disk Denúncia A secretaria do Estado do Desenvolvimento Humano lança, amanhã, no auditório da Fecomércio, Centro de João Pessoa, o serviço do Disque Denúncia com o número 123 contra o Trabalho Infantil na Paraíbam, com presenças confirmadas do Ministério Público do Trabalho, Delegacia Regional do Trabalho (DRT), entidades da sociedade civil e crianças cadastradas no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).

Nenhum comentário: